'Boom' de PG requer um desenvolvimento robusto e saudável
Conselheiro, que também é médico, faz um diagnóstico para garantir que o crescimento de Ponta Grossa não seja somente rápido, mas saudável
Publicado: 16/08/2025, 12:21

O conselheiro da área da Saúde do Grupo aRede, Mário Rodrigues Montemor Netto, preparou um 'diagnóstico médico' para analisar o atual crescimento de Ponta Grossa. Para ele, os recentes investimentos bilionários são uma oportunidade histórica ao Município - leia a reportagem especial clicando aqui. Entretanto, conforme Mário, a união de diversos setores é essencial para que esse 'órgão vivo', que é Ponta Grossa, tenha um crescimento robusto e saudável.
Confira abaixo a opinião na íntegra de Mário, que é médico, pesquisador, professor e presidente da Associação Médica de Ponta Grossa (AMPG):
"Introdução: o estirão de crescimento de uma cidade:
Ponta Grossa está vivenciando um período de transformação profunda, análogo a um estirão de crescimento na adolescência. Esta fase é marcada por um potencial imenso e uma força recém-descoberta, mas também carrega riscos inerentes de desequilíbrio e tensão se não for gerida com cuidado e previsão. Este relatório funciona como um 'check-up de saúde' para a cidade, analisando sua condição atual, diagnosticando os desafios emergentes e prescrevendo um plano para garantir um desenvolvimento robusto e sustentável.
Nesta análise, a cidade é vista como um corpo humano: um sistema complexo e interconectado. Os investimentos econômicos funcionam como a nutrição, o combustível que impulsiona o desenvolvimento acelerado. A infraestrutura e a indústria representam o sistema musculoesquelético, a estrutura e os músculos que conferem à cidade seu novo poder. Por fim, a força de trabalho é o sistema nervoso, a rede qualificada necessária para controlar e direcionar essa nova força de forma eficaz. Cidades que investem em infraestrutura de qualidade e oferecem boas oportunidades de trabalho criam um ambiente favorável para o crescimento, atraindo novos moradores em busca de carreira e bem-estar. O objetivo é garantir que o crescimento de Ponta Grossa não seja apenas rápido, mas, acima de tudo, saudável.
Seção 1: construindo o corpo - a nova musculatura econômica:
O estirão de crescimento de Ponta Grossa é alimentado por uma onda sem precedentes de investimentos de capital, os 'nutrientes' que estão formando 'grupos musculares' econômicos inteiramente novos. Esses aportes, que se aproximam de R$ 10 bilhões nos últimos dois anos, estão remodelando fundamentalmente a anatomia econômica da cidade, com expansões em distritos industriais como o Ciro Martins, o Norte e o Manoel Machuca.
O investimento de R$ 6,7 bilhões da XBRI Pneus representa o 'supermúsculo' deste novo corpo econômico. Este não é apenas mais um empreendimento; será a maior fábrica de pneus do Brasil, com capacidade para produzir aproximadamente 15 milhões de unidades por ano e gerar até 3,2 mil empregos diretos em plena operação. Paralelamente, o investimento de R$ 1 bilhão da multinacional japonesa Nissin Foods fortalece a 'conexão circulatória' da cidade com o mundo, gerando 550 empregos diretos e destinando parte de sua produção para exportação.
O crescimento também é impulsionado pela força interna e pela diversificação. O Grupo Madero, cuja sede fabril está na cidade, anunciou um investimento de R$ 1 bilhão para a construção de uma nova Cozinha Central, com potencial para dobrar os mais de 700 empregos diretos que já gera. Expansões em outras gigantes como DAF Caminhões e Continental, e a chegada de empresas como Mars e Cristalpet, confirmam que este crescimento é sistêmico e abrange todo o 'organismo' industrial.
A escolha de Ponta Grossa por esses gigantes não é aleatória. Samer Nasser, diretor comercial da XBRI Brasil, destaca que a cidade é um 'polo logístico natural', com excelente acesso rodoviário e ferroviário, infraestrutura sólida de energia e gás, e um ambiente institucional seguro. Essa atratividade é reforçada por uma política robusta de incentivos fiscais, tanto municipais quanto estaduais, que funciona como um 'suplemento vitamínico' para atrair e sustentar esses investimentos. O corpo da cidade está se tornando um órgão vital no organismo maior do comércio internacional, o que aumenta sua importância, mas também a pressão por um funcionamento impecável.
Seção 2: o sistema circulatório - emprego e vitalidade econômica:
O 'sangue vital' da economia de Ponta Grossa são os empregos, que funcionam como um sistema circulatório distribuindo 'oxigênio' - renda, estabilidade e prosperidade - por toda a comunidade. Os sinais vitais atuais da cidade já são robustos. No primeiro semestre de 2025, Ponta Grossa registrou um saldo positivo de 2.286 novos postos de trabalho formais, um número comemorado pela prefeita Elizabeth Schmidt como prova de que os trabalhadores estão encontrando oportunidades na cidade.
Contudo, a onda de oportunidades que se aproxima é de uma magnitude completamente diferente. Apenas os projetos da XBRI (3,2 mil vagas) e da Nissin (550 vagas) somam 3.750 empregos diretos, um número que é mais de 1,6 vezes superior a todo o saldo de empregos gerado na primeira metade de 2025. Os dados atuais mostram um pulso saudável e constante, mas o que está por vir é o equivalente a uma injeção maciça de adrenalina. O 'sistema circulatório' da cidade está prestes a passar de uma frequência cardíaca de repouso para um sprint total.
Essa transição não representa apenas 'mais empregos', mas uma mudança fundamental na escala e na natureza do mercado de trabalho. O sistema precisa estar preparado para absorver essa onda sem desenvolver 'hipertensão' (inflação, escassez de moradia) ou 'aneurismas' (falha de infraestrutura). A capacidade da cidade de gerir essa aceleração súbita determinará se o resultado será um fortalecimento sistêmico ou um estresse prejudicial.
Seção 3: diagnóstico - identificando as dores do crescimento
Todo estirão de crescimento acelerado vem acompanhado de dores, e o principal desafio diagnóstico para Ponta Grossa é um potencial descompasso entre as competências exigidas pelos novos 'músculos' industriais e as habilidades predominantes na força de trabalho local. A condição pode ser definida como um 'Desequilíbrio Metabólico de Competências'.
O primeiro sintoma é um desequilíbrio setorial. Embora o futuro da geração de empregos em massa seja industrial, o presente ainda é dominado pelo setor de serviços. No primeiro semestre de 2025, os serviços foram responsáveis por 67,14% das novas vagas, enquanto a indústria representou apenas 24,01%. Metaforicamente, o corpo da cidade está condicionado para um tipo de atividade (serviços), mas está sendo convocado a competir em nível de elite em outra (indústria 4.0).
O segundo sintoma é a complexidade da demanda por mão de obra. Curiosamente, o 'corpo' apresenta reações distintas. Enquanto o setor de construção civil relata facilidade em encontrar profissionais qualificados como engenheiros e arquitetos, enfrenta grande dificuldade na contratação de serventes, mesmo sem exigência de experiência. Isso indica que o desequilíbrio não é apenas entre setores, mas também dentro deles, afetando diferentes níveis de qualificação.
A criticidade do ritmo agrava o diagnóstico. Os cronogramas industriais são agressivos, com a Nissin e a primeira fase da XBRI planejando iniciar as operações por volta de 2027. Esta janela de tempo é extremamente curta para desenvolver uma força de trabalho industrial altamente qualificada. Existe um 'atraso de desenvolvimento': os 'músculos' (fábricas) estão crescendo mais rápido do que o 'sistema nervoso' (trabalhadores qualificados) pode ser treinado para controlá-los. Se este desequilíbrio não for corrigido, a cidade corre o risco de as novas indústrias precisarem 'importar' talentos, limitando o benefício direto para a população local e gerando uma 'inflamação socioeconômica'.
Seção 4: a prescrição - um plano proativo de tratamento e bem-estar
Um diagnóstico claro exige um plano de tratamento abrangente. Ponta Grossa está implementando uma 'estratégia de bem-estar' multifacetada e coordenada para tratar proativamente o desequilíbrio de competências. Não se trata de uma cura reativa, mas de uma forma de medicina preventiva e fisioterapia direcionada para fortalecer o corpo social e econômico.
A resposta é notavelmente coordenada, envolvendo uma parceria estratégica entre a Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Qualificação Profissional (SMICQP), a Agência do Trabalhador, a Agência de Inovação e Desenvolvimento (AID), a Associação Comercial, Industrial e Empresarial (Acipg) e a Associação Paranaense de Construtores (APC). É o equivalente aos vários sistemas do corpo - nervoso, endócrino, imunológico - trabalhando em concerto para manter a homeostase.
O plano de tratamento consiste em 'terapias direcionadas' e preventivas. Conforme detalhado pela secretária Faynara Merege, as iniciativas são focadas em diferentes públicos: beneficiários de programas sociais, jovens em busca do primeiro emprego, mulheres (incentivando a autonomia financeira) e formações específicas em tecnologia para a indústria 4.0.
Um elemento central deste plano é o 'loop de feedback do sistema nervoso': o diálogo constante. Tonia Mansani, da AID, e Rafael Issa Rickli, da Acipg, enfatizam a comunicação contínua com os empresários para identificar as necessidades de mão de obra em tempo real. A Acipg atua como um elo vital, traduzindo as demandas do setor produtivo para o poder público e para instituições de ensino como o 'Sistema S'. Heraldo da Luz, também da Acipg, complementa que as ações incluem o mapeamento de ocupações críticas e a criação de trilhas rápidas de capacitação.
O 'cérebro' deste corpo em desenvolvimento - o sistema educacional - também está se adaptando. Universidades como a UEPG, a UTFPR e a UniCesumar oferecem cursos de graduação e tecnologia diretamente alinhados com as novas demandas industriais, em áreas como Engenharia (de Software, Materiais, Produção, Química), Automação Industrial e Fabricação Mecânica. A UTFPR, por exemplo, investe na capacitação contínua de seus professores para garantir que o ensino esteja sempre atualizado. Essa base educacional robusta é fundamental para formar os 'neurônios' de alta especialização que o novo corpo econômico exigirá.
Conclusão: um prognóstico para um futuro saudável
O diagnóstico final para Ponta Grossa é o de um organismo fundamentalmente saudável e vigoroso, passando por um estirão de crescimento de proporções históricas. As 'dores do crescimento' identificadas são reais e significativas, mas foram diagnosticadas precocemente. O plano de tratamento em curso é abrangente, colaborativo e, crucialmente, proativo.
- Diagnóstico: desequilíbrio metabólico de competências agudo, secundário a um rápido e maciço investimento industrial;
- Condição: séria, mas gerenciável com a intervenção adequada;
- Tratamento: um plano de bem-estar coordenado, baseado em desenvolvimento de competências direcionadas, diálogo público-privado contínuo e uma forte base educacional e de treinamento;
- Prognóstico: excelente, condicionado à implementação diligente e sustentada do plano prescrito.
A saúde a longo prazo da cidade - sua capacidade de crescer forte sem sucumbir às doenças da desigualdade ou do desenvolvimento desordenado - depende desse compromisso coletivo de preparar sua população. O objetivo central, como ressaltado pela Acipg, é garantir que o crescimento econômico se converta em desenvolvimento humano e social. O objetivo final não é apenas construir uma cidade maior, mas cultivar uma comunidade mais saudável, resiliente e próspera para todos os seus residentes".