Servidor mais antigo da UEPG se aposenta após décadas de trabalho
Gary José Chagas trabalhou mais de 18 mil dias na universidade pública
Publicado: 16/04/2025, 19:07

Na foto do registro, um rapaz de cabelos pretos, bigode avantajado e uma sobrancelha grossa. Gary José Chagas tinha 21 anos quando entrou na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Veio para ficar. Depois de cinco décadas de dedicação, o servidor mais antigo da UEPG se aposentou oficialmente nesta terça-feira (15). Memória viva da instituição, o servidor recebe homenagens e relembra a trajetória.
Era 1º de julho de 1975. Gary vestia um paletó, camisa clara e gravata, no primeiro dia de trabalho, para atuar na assessoria financeira. Desse momento, o que vem à memória do servidor é a figura de Álvaro Augusto Cunha Rocha, primeiro reitor da UEPG, que na época trabalhava no setor jurídico. Com ele, Gary sentiu que estava em um bom lugar. “Foi marcante”, relembra. Aquele dia marcou o início da estadia em Ponta Grossa, do curitibano de nascença, filho de Gary Bueno das Chagas, contador-geral do Paraná, e de Maria José Kerry Chagas, professora do Estado.
GALERIA DE FOTOS
Dispensado do primeiro emprego em Curitiba, foi o pai que lhe deu o conselho de vir estabelecer raízes na 'Princesa dos Campos'. “Meu pai era muito amigo do Odeni Mongruel [segundo reitor da UEPG] e me indicou para trabalhar aqui”. Como um rapaz que estudava Direito, a adaptação à rotina financeira e jurídica foi fácil, tanto que em 1979 já estava na sala da vice-reitoria, como chefe de gabinete de Waldir Silva Capote, onde ficou até 1982.
Gary é da época em que toda a instituição funcionava no prédio do Campus Centro – e ele conhece tudo ali como a palma da mão. Da entrada da fachada histórica, onde está o átomo da UEPG na parede, ele aponta: “aqui embaixo funcionava o curso de Odontologia e Farmácia, lá atrás tinham as licenciaturas, e na parte de cima sempre foi o curso de Direito”. No segundo andar, em frente ao Grande Auditório, ficava a Reitoria. Gary passou a frequentar o local assiduamente na década seguinte, já como chefe de gabinete dos reitores Evaldo Podolan e João Lubczyk, de 1983 a 1990.
Naquela época, uma chefia de gabinete tinha a função mais estratégica da parte administrativa. “Eu atendia à agenda do reitor, atendia o pessoal que vinha falar com ele”. E quando chegava alguém de surpresa, “eu falava ‘uma pessoa está aqui, reitor, o que eu faço?’, mas sempre tive muita maneira de não ofender a pessoa, porque ô profissãozinha espinhosa essa de ser chefe de gabinete”, descreve com aquele humor característico de quem conhece os meandros do serviço público.
GALERIA DE FOTOS
Entre um trabalho e outro, Gary concluiu a formação em Direito – o último ano que faltava para o diploma – na UEPG, em 1988. Quando veio a década de 1990, o desejo por novos desafios ressurgiu. Em 1991, ele foi para a Diretoria de Assuntos Acadêmicos, órgão que desenvolvia atividades equivalentes à atual Pró-Reitoria de Graduação. “Ali eu fiquei bastante tempo também, eu era secretário, trabalhava com o Mário Canteri [um dos fundadores da Faculdade de Ciências Econômicas de Ponta Grossa], que era o diretor do órgão”, conta.
As memórias das primeiras décadas são várias. “O mais gozado foi o professor [Daniel Albach] Tavares, que foi o nosso terceiro reitor. Esse era piadista, gostava muito de conversar, mas eu acho que o melhor reitor dessa época foi o Evaldo Podolan, porque era amigo do governador do Estado, e trazia muito investimento para cá”. Dentre uma lembrança ou outra da Reitoria, a mais importante para ele é a construção do Campus Uvaranas, com a chegada dos primeiros cursos na região, em setembro de 1985. “Aquilo movimentou a cidade, aumentou o número de cursos, além de melhorar as instalações, os laboratórios, principalmente os laboratórios, porque no Centro era tudo apertado, não tinha espaço”.
Era fácil reconhecer o Gary no meio do público: além do bigode característico, não raro ele aparecia com uma camisa entreaberta nos primeiros botões em cima de uma moto. “Eu chamava atenção, era uma moto grande, os alunos ficavam de olho”, ri. Ao ser perguntado se conquistava as pessoas com o charme, ele desconversa: “sei lá, eu sempre tratei todo mundo bem. Muita gente gosta de mim aqui. Não fiz nenhum inimigo aqui dentro. Sempre tive o mesmo jeito de tratar todo mundo”. A elegância no trato com as pessoas ia até a atos formais. Gary foi por mais de 40 anos mestre de cerimônias em eventos institucionais. Em fotos históricas, lá está ele ao fundo, algo típico de alguém que sempre colocou a mão na massa e se fez importante nos bastidores. “A história do Gary, como agente universitário, se confunde com a própria história da UEPG. Ele acompanhou a evolução dessa Universidade, e simboliza aquilo que ela tem de mais representativo, que é a permanência e a presença junto a todos os atos que a instituição sempre executou”, exalta o reitor Miguel Sanches Neto. Professor da UEPG desde 1993, Sanches Neto lembra bem do Gary na sua moto. “É uma imagem muito bonita que guardo na memória”.
GALERIA DE FOTOS
Pela aposentadoria e possibilidade de viver novas experiências, o reitor deixa uma mensagem de homenagem: “Gary, meu amigo, você faz parte dessa história, você ajudou a construir essa Universidade. Igual a você, tem muitos servidores que também, ao longo das décadas, formaram a UEPG, uma Universidade que se conecta diretamente com as pessoas”.
Para o vice-reitor, Ivo Mottin Demiate, Gary é uma figura presente desde a época em que era acadêmico de Agronomia. “Ele sempre marcou presença em eventos, com sua voz marcante como cerimonialista”. A aposentadoria vem, mas as portas da UEPG continuam abertas. “Em nome do Gary, a UEPG homenageia todos os nossos valorosos servidores, agentes universitários e docentes, que cumpriram e cumprem de maneira exemplar nobre missão de ser um funcionário público”.
EQUIPE - As lembranças na parte de eventos são marcantes na memória da comunidade universitária, pois a partir de 2003 Gary assume a chefia do Centro de Recursos Audiovisuais (Crav), órgão que, de 1985 a 2018, foi o responsável pelos eventos da UEPG. Por mais de 20 anos, Gary não era visto sem estar ao lado desta turma: Marilson de Paula, João Gelson de Quadros Junior, Jefferson José da Silva, Cezar Vavá de Castro e Marcos Aurélio Rosas. Tudo saía pelas mãos deles, das caixas de som, ajustes no microfone, montagem das luzes, organização estrutural das formaturas institucionais, até a montagem do palco nos Festivais Universitário da Canção (FUC) e de Teatro (Fenata).
GALERIA DE FOTOS
“Era muita correria, na parte de som e luz. A gente começava de manhã e ia até a noite, quase dormia aqui, para não dizer que dormia de fato”, relembra Vavá. O servidor hoje atua em um lugar conhecido pela trupe, o Grande Auditório do Campus Centro, palco de eventos memoráveis. Em tempos de Fenata, eram cinco peças em um só dia por ali – o Crav ficava responsável por desmontar e montar todos os cenários. “Em tempos de Festival, a gente que era da fotografia ajudava a montar tudo. Na hora do evento, a gente ia fotografar tudo”, conta Marilson. Eram rolos e mais rolos de filmes usados em cada dia de cobertura. Ele e Jefferson, o Jeffinho, recebiam rolos de 30 metros de filme, rebobinavam e saíam para fotografar as atividades da Universidade.
Não havia um final de semana em que a turma de fotógrafos não trabalhasse. “A gente saía para cobrir muitos projetos de extensão, sempre nos finais de semana, então não tinha folga”, explica Jefferson. Na década de 1980, as formaturas institucionais também ocorriam em outras cidades do Paraná e São Paulo. E lá ia o Crav pegar a estrada e deixar tudo pronto para os formandos. “Em dias de eventos, era uma correria. Eu e o Gelson ficávamos mais no som. Era muita caixa pesada para arrastar, caixas de madeira grandes”, rememora Marcos, o caçula da turma, que hoje atua no Setor de Ciências Jurídicas (Secijur). Gelson destaca que, além de toda a parte de eventos, o Crav também era responsável por montar os slides das aulas dos professores. “Sempre assessoramos os professores na parte dos projetores, e montamos os slides para eles, na época que era tudo manual”.
O Crav teve uma mulher à frente. Quando as atividades do órgão começaram, Maria Helena Machado era a coordenadora. Em 2003, entrou a figura do Gary na chefia. Nestes anos, o local de encontro da equipe era numa sala situada entre o atual Laboratório de Turismo e o Grande Auditório. Em época de fotografia analógica, os servidores revelavam as fotos em uma sala embaixo das escadas do Bloco C. Atualmente, todo o acervo está no Museu Campos Gerais (MCG).
GALERIA DE FOTOS
Mas houve uma época em que tudo era ainda mais trabalhoso. Sem um um local para revelação de fotos, a UEPG montou um estúdio no MCG, como conta Jefferson. “Como a gente fotografava os eventos e tinha que enviar as fotos para a assessoria de comunicação da universidade, a gente saía do evento e ia correndo revelar lá no Museu, depois trazia para o Campus Centro as fotos reveladas”. Depois de entregues, as fotos e o release [texto noticioso da assessoria de imprensa] eram distribuídos para os jornais da cidade por uma kombi.
A antiga equipe do Crav deixou claro a conexão profunda que o setor de comunicação e o setor de eventos sempre tiveram na UEPG. “Quando eu entrei aqui, era só a assessoria de comunicação, que funcionava numa sala ao lado do gabinete do reitor, no Campus Centro. Então a gente estava sempre em eventos e ajudava na montagem do som e da luz”, explica Marilson.
O tempo de correria fez vir à memória os perrengues do grupo. Como assíduo jogador de futsal, Jefferson tinha um tênis que quase não saía do pé – a não ser em dia de fotografar eventos do Campus Centro. “Fazia um barulho muito chato quando caminhava, e para não atrapalhar o público, eu tive que fotografar descalço, porque fotógrafo precisa se movimentar no espaço”, sorri. Vavá lembra da época em que havia peças infantis do Fenata. “Foi num Fenata no Teatro Pax, e pelas coxias as professoras entravam com os alunos. Estava tudo preparado com o som e a luz. Antes de começar a peça, umas das crianças mexeu nos dimmers [dispositivos que controlam a luz do espetáculo] e desconfigurou tudo. Até começar a peça foi um sufoco, levou uma meia hora para descobrirmos o que tinha acontecido”. Com as lembranças, vêm os sorrisos nos rostos de cada um, especialmente quando se referem ao Gary.
“Entrei em junho de 1986, e tive o prazer de vir trabalhar com o Gary. Ele me ensinou muito, e agora que estou me aposentando, levarei sempre boas lembranças”, conta Marilson, servidor que contribuiu para a instituição por 39 anos. “Depois da Maria Helena, veio o Gary como nosso chefe, e nele nós tínhamos um amigo. Ele sempre foi um companheirão nosso”, ressalta Gelson, servidor desde 1986. Para Vavá, que atua no som e na luz da UEPG desde 1989, o Gary é a pessoa que todos consideram muito. “Sei que eu e ele temos a UEPG como a nossa casa”.
Jefferson já se aposentou há quatro anos, depois de mais de três décadas de trabalho, e não esconde o carinho que tem pelo Gary e pelos colegas. “Eu conheci o Gary quando ele ainda era chefe de gabinete, e foi de muita ajuda, porque ele já conhecia como acontecia a política da Universidade, e eu um rapaz jovem consegui me habituar mais facilmente”. Marcos Aurélio tem o Gary como figura paterna. “O Gary para nós é um paizão, é um vovô. Ele sempre esteve conosco, nos ajudando”.
NOVA FASE - Depois de tantas aventuras, a mais recente foi a mudança do Centro para Uvaranas, em 2023, para atuar juntamente com a Coordenadoria de Comunicação (CCom). “Eu sabia que um dia eu teria que vir para cá, pois as coisas mudam, não é? E o trabalho da CCom melhorou [a parte de comunicação e eventos] uma barbaridade”.
GALERIA DE FOTOS
A coordenadora da Ccom, Luciane Navarro, entende que a presença de Gary no trabalho foi um aprendizado para ela e para a equipe. “Quanta honra para nós a oportunidade de convivência com ele, que nos enriqueceu com a sua sabedoria, conhecimento profundo sobre a UEPG e carisma”. Ela lembra que o conhece desde os tempos da graduação em Jornalismo e que, passados tantos anos, a gentileza no trato com as pessoas e a alegria são as mesmas. “É muito emocionante e gratificante para mim ter conhecido esta bela face humana da história da Universidade”.
A chegada dos 70 anos deixa em Gary reflexões do passado. “Primeiro que a idade vai deixando você meio sem paciência, e isso é um problema sério”, gargalha. “E depois você já não tem a mesma resistência”. Aquele rapaz que carregava cerca de 400 colchões para que os atletas que competiam nos Jogos Estudantis da Primavera dormissem em salas de aula da UEPG, já não tem tanta força física como no passado. Mas a vitalidade para o carisma e simpatia permanece – é comum ver Gary cumprimentando a todos que o veem, com o característico “Oi, meu amor!”, quando anda pelos corredores, vai pegar o café na cozinha ou atender a uma demanda do Cerimonial.
O homem de três filhos, cinco netos e dois bisnetos, memória viva da instituição, não tem dúvidas: o destino da UEPG é crescer cada vez mais. “Isso para mim é uma certeza. Azar dos reitores, que vão ter um pepino do tamanho do dia inteiro para aguentar”, brinca.
GALERIA DE FOTOS
Gary teve o pedido de aposentadoria deferido pela Resolução Seap nº 8627, de 4 de abril de 2025, e publicada na página nove do Diário Oficial do Estado do Paraná nº 11883, em 11 de abril de 2025. Mas ele continuou a trabalhar até o comunicado da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, que veio em 15 de abril. Depois de pegar o papel da aposentadoria, não deu para segurar a emoção. Do corredor da Progesp até o hall da Reitoria, a caminhada foi de encher os olhos de lágrimas. “Eu vim para cá muito novo, eu nasci aqui dentro. Isso aqui representa a minha vida”. Logo após, veio o suspiro. “A vida continua, já tenho vara de pesca, eu vou pescar”.
A emoção perdurou nesta quarta-feira (16). Não poderia faltar uma homenagem – Gary recebeu da instituição agradecimentos oficiais pelos seus mais de 18 mil dias de trabalho. Além da festa, a solenidade teve falas do reitor Miguel Sanches Neto; vice-reitor, Ivo Mottin Demiate; chefe da Coordenadoria de Comunicação, Luciane Navarro; chefe do Cerimonial, Danielle Dykstra; e coordenador de eventos, Erivelton Fontana Laat.
Na ocasião, uma placa de homenagem foi entregue em mãos, em meio a abraços e lágrimas dos presentes, com a mensagem: “A Universidade Estadual de Ponta Grossa agradece Gary José Chagas, servidor decano desta instituição, aos anos de dedicação às atividades exercidas durante cinco décadas de convivência e amizade”. Depois dos aplausos de uma plateia de colegas, foi a vez do Gary falar ao microfone. “Muito, muito obrigado, por tudo”.
Com informações: Assessoria de Imprensa.