Brasil enfrenta maior crise de crédito rural desde o Plano Real
Levantamento mostra retração de 23% no custeio e 44% nos investimentos no início da safra 2025/26, além de inadimplência recorde de 5,14%
Publicado: 21/10/2025, 14:50

O Brasil atravessa a maior escassez de crédito rural desde o início do Plano Real, em meados da década de 1990, segundo levantamento da Assessoria Econômica da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
A retração nos recursos disponíveis para custeio e investimento preocupa o setor e acende um alerta: a crise ainda não chegou ao seu ponto máximo. Conforme dados da Farsul, apenas no primeiro trimestre da atual safra 2025/2026 (julho a setembro) houve queda de 23% nos recursos de custeio e 44% nos investimentos em relação ao ciclo anterior. No Rio Grande do Sul, a redução é de 25% e 39%, respectivamente.
“Portanto, não há uma diferença que aponte para cá o problema, é um quadro geral. Não estamos vivendo uma crise de crédito no Rio Grande do Sul, por conta de tudo que vivemos. Estamos vivendo uma crise de crédito no Brasil, a maior da história, seguramente”, afirma o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz.
Da Luz lembra que, tradicionalmente, o Plano Safra de cada governo supera o anterior, acompanhando o crescimento da agricultura. “A agricultura cresce, então sempre o ministro do turno anuncia que o dele é o maior Plano Safra da história. Sim, mas isso é assim desde sempre, porque o agro cresce, a necessidade de dinheiro aumenta”, explica.
Segundo ele, o cenário atual é distinto, já que a maior parte do crédito rural não é público — e, portanto, não recebe subsídio. “75% do dinheiro não recebe um centavo de subsídio, então é natural que ele cresça. Só que nós estamos vivendo um momento diferente. Apesar do anúncio ter sido o do maior Plano Safra da história, estamos vendo a maior distância entre o que se anunciou e o que efetivamente se observou. Isso já no plano safra anterior. E o 2025/2026 ainda não terminou, mas ele está bem pior do que o do ano passado”, adverte.
QUEDA NOS RECURSOS EFETIVAMENTE LIBERADOS - A diferença entre o prometido e o executado não é nova, mas o economista diz que agora o fenômeno é sem precedentes. “Mas agora o que nós estamos vendo é algo completamente diferente de tudo. A queda é vertiginosa. Eu não estou vendo somente uma diferença entre o anúncio e o realizado. Eu estou vendo queda no realizado”, afirma. Os recursos disponibilizados estão abaixo dos valores do ciclo anterior.
“Antes havia diferença entre o anúncio e o disponível. O anúncio era muito maior que a realidade, mas crescia efetivamente. Agora não, agora há uma queda — e grande — do valor que é liberado. E isto é a primeira vez que estamos experimentando”, completa.
A Farsul projeta que a retração pode chegar a 35% no custeio e 51% nos investimentos até o fim da safra 2025/26. O impacto pode refletir diretamente na nova safra, com redução tecnológica nas lavouras e até menor área cultivada. “É uma situação mais extrema, mas como nós nunca experimentamos isso antes, entendemos que todas as possibilidades estão sobre a mesa”, avalia.
INADIMPLÊNCIA PREOCUPA E DEVE PIORAR - O quadro de retração é agravado pela alta inadimplência. Em julho de 2025, a taxa atingiu 5,14%, o maior índice já registrado. “O recorde anterior, que tinha sido em 2017, foi pouco mais de 3%, e nos preocupa porque isso ainda está subindo”, diz Da Luz.
O índice de crédito controlado está em 1,86%, enquanto o de juros livres chega a 9,35%. Segundo o economista, o cenário ainda deve se deteriorar. “O juro livre tem uma correlação com a Taxa Selic de oito períodos atrás, ou seja, ainda não chegamos no fundo do poço da inadimplência. Vamos aumentar mais porque ainda temos efeitos de aumentos de juros anteriores.”
Ele lembra que há defasagem entre as decisões do Copom e seus efeitos na economia. “Uma decisão do Copom hoje não é para resolver os problemas de hoje, é para resolver os problemas daqui nove a doze meses. Então nós ainda estamos tendo o efeito não da Selic estável em 15%, mas dela subindo ainda. Ou seja, ainda vai piorar a inadimplência antes de começar a melhorar.”
CRISE DE CONFIANÇA - Para Da Luz, o governo precisa anunciar planos exequíveis e atacar de forma direta os gargalos do crédito e da inadimplência. Ele também cita o enfraquecimento de instrumentos de mitigação de risco.
“Assim como o uso de mitigadores como seguro rural e Proagro, que sofreram retrocessos enormes no Brasil nos últimos anos. A crise de confiança sobre o produtor ficou muito grande. Irá levar anos para levantar o seguro de novo”, observa.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA AGRAVA O QUADRO - A inadimplência crescente torna o crédito mais restrito, criando um ciclo de retroalimentação da crise, explica Da Luz. “São duas coisas que caminham juntas, elas se retroalimentam. A inadimplência faz com que os bancos aumentem o seu nível de segurança. Só que, para aumentar o seu nível de segurança, eles estimulam o aumento da inadimplência, porque o produtor não pega crédito. Ele não tem o que fazer, ele vai lá e vende o produto para comprar insumo e vem a inadimplir.”
O endurecimento das condições de crédito também é destacado pelo diretor jurídico da Farsul, Nestor Hein, que chama atenção para o uso da alienação fiduciária como garantia. “O agravamento, em todo o Brasil, das questões ligadas à adimplência de obrigações contraídas por produtores e à alavancagem demasiada trouxe uma incerteza neste panorama, e os bancos aproveitaram a ocasião para se utilizar de um instituto que é o da alienação fiduciária”, explica.
OUTRAS MODALIDADES DE GARANTIA - Hein reforça a orientação da Federação aos produtores. “Temos alertado ao produtor que já está numa situação que não é boa, que está sujeito a licitudes de secas novamente. Qualquer problema que haja, ele poderá não ter o recurso e perder a sua propriedade. Então, que ele procure sempre tomar recursos por outra modalidade — por hipoteca, por exemplo, ou outros meios que não a alienação fiduciária, que é um meio muito expedido, muito rápido e muito comprometedor do patrimônio”, afirma.
Ele ressalta que a recomendação não é uma crítica ao sistema financeiro. “A alienação fiduciária não é um mal. Ela se justifica, por exemplo, na compra de um automóvel, um bem que não tinhas e que, se não o pagar, irá perder rapidamente. Agora, para quem não está nessa situação, é algo que não recomendamos. Não é nada contra o sistema bancário. Mas se trata de uma atividade que é feita a céu aberto, sujeita a intempéries. Uma garantia tão larga não nos parece uma boa ideia e não aconselhamos”, conclui.
Com informações de: Agrofy News.