Expansão ferroviária de PG deve ser inteligente, sensível e ética | aRede
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Expansão ferroviária de PG deve ser inteligente, sensível e ética

Conselheira, pós-doutora em Direito Animal, reforça a necessidade de projetos que reconheçam o bem-estar da vida animal

Érika Zanoni Fagundes Cunha é conselheira da Causa Animal
Érika Zanoni Fagundes Cunha é conselheira da Causa Animal -

Rodolpho Bowens

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A conselheira da Causa Animal do Grupo aRede, Érika Zanoni Fagundes Cunha, lembra os impactos das ferrovias sobre a vida animal. Para ela, é preciso que a expansão ferroviária deve ser inteligente, sensível e ética - confira a reportagem especial aqui. Além disso, ela reforça a necessidade de projetos que reconheçam o bem-estar da vida animal.

Confira abaixo a opinião na íntegra da Érika, que é médica veterinária, especialista em Neurociência Clínica, mestre em Ciências Veterinárias, doutora em Zoologia e pós-doutora em Direito Animal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR):

"As ferrovias representam um importante eixo de desenvolvimento e conectividade, mas também carregam uma complexa relação com o ambiente urbano e com os animais. No Brasil, muitas linhas ferroviárias foram construídas em períodos em que as cidades ainda eram pequenas e o traçado cortava áreas rurais ou de baixa densidade populacional. Com o crescimento urbano desordenado, bairros inteiros passaram a ser atravessados pelos trilhos, o que gera conflitos de uso do solo, ruídos, riscos de acidentes e, de forma menos debatida, impactos significativos sobre a fauna silvestre e doméstica. Essa sobreposição entre ferrovia e cidade exige uma reflexão profunda sobre os limites do progresso e o papel da causa animal na construção de uma sociedade mais consciente e equilibrada.

Os impactos das ferrovias sobre os animais são múltiplos e vão muito além dos acidentes visíveis. Animais silvestres que vivem nas proximidades dos trilhos sofrem com atropelamentos, perda de território, fragmentação de habitat e estresse crônico provocado pelo ruído e pela vibração das composições. O trem, por sua velocidade e volume, é incapaz de frear rapidamente, o que torna quase inevitáveis os choques com animais que tentam cruzar os trilhos. Pequenos mamíferos, répteis e anfíbios são particularmente vulneráveis, e a ausência de levantamentos sistemáticos faz com que o número real de mortes seja subestimado. Além da mortalidade direta, há efeitos ecológicos profundos: a ferrovia atua como uma barreira física e comportamental, dividindo populações, impedindo fluxos genéticos e alterando padrões de deslocamento e alimentação.

A proximidade das ferrovias com áreas urbanas também afeta os animais domésticos. Cães e gatos que vivem em comunidades próximas aos trilhos muitas vezes sofrem acidentes, perdem-se em razão do barulho ou desenvolvem alterações comportamentais decorrentes do estresse ambiental. Em algumas regiões, o tráfego constante de trens interfere até mesmo na rotina de animais de fazenda, alterando seus ritmos circadianos e provocando respostas fisiológicas de ansiedade. Esses efeitos, somados à poluição sonora e à fragmentação ambiental, criam um cenário silencioso de sofrimento que raramente é incluído nas discussões sobre mobilidade ou infraestrutura.

VÍDEO
Assista à opinião da conselheira da Causa Animal | Autor: Colaboração.
 

Apesar dos impactos, é importante reconhecer que as ferrovias, quando bem planejadas e geridas, podem representar uma alternativa ambientalmente mais sustentável em comparação ao transporte rodoviário. A ferrovia emite menos gases de efeito estufa por tonelada transportada, reduz o fluxo de caminhões nas estradas e pode, indiretamente, diminuir a mortalidade de animais em rodovias. 

Outro ponto essencial é o planejamento prévio. Os estudos de impacto ambiental devem mapear não apenas a vegetação e os corpos hídricos, mas também as rotas de movimentação dos animais, identificando os corredores ecológicos e as áreas de reprodução. Sem esses dados, o traçado da ferrovia pode cortar habitats críticos, forçando deslocamentos perigosos e aumentando a mortalidade. A legislação ambiental brasileira prevê compensações e medidas de mitigação, mas a fiscalização ainda é insuficiente, e muitos empreendimentos se limitam a ações superficiais que pouco alteram a realidade do campo.

Há também a necessidade de sensibilizar as comunidades humanas que vivem próximas aos trilhos. A causa animal precisa ser tratada como uma dimensão da sustentabilidade urbana, não como uma pauta isolada. Campanhas educativas, sinalização adequada e treinamento de operadores ferroviários são medidas simples, mas que podem fazer diferença. A inclusão de ecólogos e profissionais de bem-estar animal nas equipes de planejamento e manutenção ferroviária deve ser vista como uma exigência técnica, e não apenas como uma demanda ética.

É possível equilibrar desenvolvimento e respeito à vida. A ferrovia pode ser uma aliada na transição para uma economia de baixo carbono, desde que venha acompanhada de um compromisso genuíno com a proteção dos animais e dos ecossistemas. A construção de passagens seguras, o uso de tecnologias de detecção de fauna, o monitoramento contínuo e a correção de pontos críticos podem transformar um vetor de risco em um exemplo de convivência harmônica entre progresso e natureza.

A expansão ferroviária é inevitável, mas precisa ser inteligente, sensível e ética. O verdadeiro desenvolvimento não está em atravessar cidades ou florestas com pressa, mas em garantir que todos os seres que compartilham esses espaços possam continuar existindo. Ao incorporar a perspectiva da causa animal na discussão sobre ferrovias, damos um passo importante para uma sociedade que reconhece que o bem-estar não é privilégio humano, mas um direito de todos os que habitam o mesmo território".

CONSELHO DA COMUNIDADE - Composto por lideranças representativas da sociedade, não ocupantes de cargo eletivo, totalizando 14 membros, a iniciativa tem o objetivo de debater, discutir e opinar sobre pautas e temas de relevância local e regional, que impactam na vida dos cidadãos, levantados semanalmente pelo Portal aRede e pelo Jornal da Manhã, com a divulgação em formato de vídeo e/ou artigo.

Conheça mais detalhes dos membros do Conselho da Comunidade acessando aqui.

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