Há 50 anos, Curitiba ficava toda branca: Simepar explica o fenômeno de 1975
Neve e chuva congelada foram observadas a partir das 8h e entre 13h e 15h a neve se tornou mais intensa, criando o fenômeno meteorológico inesquecível para os curitibanos
Publicado: 16/07/2025, 16:10

Em 16 de julho de 1975 chovia em partes do Rio Grande do Sul ao Paraná, enquanto uma massa de ar extremamente frio e seco atingia o setor central da Argentina. Durante a madrugada essa massa de ar frio entrou no extremo-sul do País. No dia 17, Curitiba amanheceu com chuvisco. Neve e chuva congelada foram observadas a partir das 8h. Com a visibilidade reduzida e temperaturas próximas a 0°C, entre 13h e 15h a neve se tornou mais intensa, criando o fenômeno meteorológico mais marcante da memória recente dos curitibanos.
Na Capital, a população comemorava a alegria de um momento marcante com a família, montando bonecos de neve e registrando os momentos em belas fotografias. No dia seguinte, 18 de julho de 1975, ocorreu um dos episódios mais tristes do agronegócio paranaense. A mesma massa de ar polar que colaborou para formação da neve, com rajadas de vento intensas e ar muito frio, congelou a seiva das plantas no Norte do Paraná e a geada negra dizimou cafezais inteiros.
Segundo o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental (Simepar), a formação da neve requer combinar fatores atmosféricos fundamentais, quase como uma fórmula precisa. Desde a superfície terrestre até 3000 metros de altura, é preciso ter temperaturas do ar abaixo de 0°C e a presença de ar úmido capaz de promover a sublimação do vapor d’água para cristais de gelo. Este é o ambiente ideal para a formação e ocorrência de precipitação de flocos de neve.
“Quando esta camada se encontra fria e saturada de umidade como descrito acima, a possibilidade de formação do fenômeno é elevada, com mais ênfase em situações de transporte de umidade com bandas de precipitação”, explica Leonardo Furlan, meteorologista do Simepar.
O processo de formação dos flocos de neve ocorre nas nuvens, com a formação de cristais de gelo. “Os cristais de gelo crescem através da sublimação, ou seja, troca da fase da água do vapor d'água para o gelo. Os cristais também podem crescer ao colidirem entre si ou ao entrarem em contato diretamente com a água super-resfriada”, detalha Furlan.
Assim que os flocos de neve se formam, crescem e ficam pesados ao ponto de não ficarem suspensos no ar, eles precipitam em direção à superfície. Se a temperatura se mantiver abaixo de zero grau ou muito próximo a esse valor, a chance do floco cair integralmente é maior.

SISTEMAS METEOROLÓGICOS – Para que todos os ingredientes desta fórmula estejam presentes e a neve aconteça, determinados sistemas meteorológicos devem atuar. “No ingresso de frentes frias com características continentais, o ar mais frio, associado a grandes massas de ar de origem polar, invadem o continente. Sistemas de alta pressão robustos no centro/centro-sul da Argentina, a leste da Cordilheira dos Andes, são determinantes. Esses sistemas trazem consigo intensas incursões polares, capazes de provocar uma redução expressiva nas temperaturas de forma generalizada”, diz Furlan.
Além do frio, também é necessária a presença de umidade que, além das frentes frias, pode ser transportada por ciclones extratropicais. “Estes sistemas dão origem a bandas de precipitação, que ao encontrarem um ar muito frio (normalmente em áreas mais elevadas), e também úmido, podem resultar na precipitação de neve, ou de chuva congelada (quando os flocos de neve derretem parcialmente no caminho, em direção ao solo)”, detalha Furlan.
O padrão de circulação atmosférica em eventos de nevada no Sul do Brasil tem sido objeto de estudos. A tese de doutorado da pesquisadora Márcia Vetromilla Fuentes (2009), do Instituto Federal de Santa Catarina, observa que, em todas as situações, é necessária a presença de vigorosos sistemas de alta pressão para ocorrência de neve de forma mais abrangente.
“Com o avanço da frente fria e com o ar polar ingressando na retaguarda, estão dadas as condições principais para precipitação invernal em forma de neve ou chuva congelada. Mas é com o aprofundamento de um sistema de baixa pressão, preferencialmente próximo do Litoral gaúcho ou do Uruguai, que na sequência dá origem a um ciclone extratropical, é que a ocorrência de neve pode ser mais abrangente”, afirma o meteorologista Leonardo Furlan.
Segundo ele, estudos apontam que, quanto mais intenso for o ciclone, favorecido por fortes ventos em níveis altos da atmosfera, maior será o transporte de umidade e consequentemente maior será o impulso do ar frio associado ao sistema de alta pressão. “Resumindo: com um sistema de alta pressão também intenso, o gradiente de pressão na região de interesse será maior, e consequentemente o transporte de ar frio e de umidade será mais eficiente".
50 ANOS – Em 17 de julho de 1975 ocorreu uma potente incursão de ar frio pelo Centro-Sul da América do Sul, com um robusto sistema de alta pressão, associado com massas de ar frio de grande intensidade. Tudo começou no dia 12 de julho, quando uma frente fria avançou pelo extremo sul do continente, enquanto o Sul do Brasil enfrentava variação de nuvens e chuvas.
“No dia 14 de julho, o avanço do sistema frontal trouxe o aumento das instabilidades na região. Na sequência, no dia 15 de julho, se iniciava o aprofundamento de um sistema de baixa pressão na altura do Uruguai. E a oeste daquele sistema, o ar frio avançava pelo centro-norte da Argentina, Paraguai e Bolívia, como uma bolha de ar frio”, lista Furlan.
Um dia antes do grande episódio de neve em Curitiba, o ar frio e seco já dominava boa parte do centro e centro-sul da Argentina, enquanto o Rio Grande do Sul ainda tinha muitas nuvens e temperaturas abaixo de 15 °C. O Paraná ainda estava sob influência de muita cobertura de nuvens e de chuva, com o ar frio avançando gradualmente, principalmente pelas regiões oeste, sudoeste e sul, com queda mais significativa na área da Capital paranaense a partir do final da noite.
Os ventos em níveis altos da troposfera eram mais intensos na altura da Região Metropolitana de Curitiba, e a umidade era significativa, principalmente nas primeiras horas do dia. A Capital registrava temperaturas próximas a 0°C com chuva leve, o que permitiu a precipitação invernal.
“O gradiente de pressão entre os dois sistemas, com a baixa pressão sobre o oceano, na altura do litoral gaúcho, criou uma pista de vento que transportou ar muito frio para o Paraná, o que favoreceu a precipitação histórica de neve em muitos municípios, inclusive em Curitiba, que registrou neve pela manhã e início da tarde do dia 17 de julho”, explica Furlan.

DADOS HISTÓRICOS – Apesar de ser um dos episódios mais marcantes da memória recente dos curitibanos, não foi o episódio de neve mais intenso na Capital. Relatos históricos apontam que, em 1928, outra nevasca causou acumulados de até 50 cm de neve em algumas regiões de Curitiba.
Após 1975, ocorreram registros de neve leve e granular em 1979 e 1981. No ano de 2013 a neve ocorreu com mais intensidade novamente no Paraná, inclusive em Curitiba, principalmente nos bairros mais a oeste e sul do município. Em 2020 novamente houve precipitação de neve na Capital, mas de forma rápida e leve, acompanhada de chuva congelada.
O fenômeno não só na Capital, mas em toda a faixa Leste, é raro e exige um cenário muito específico para ocorrer. “Nas últimas décadas, as grandes incursões de ar frio têm sido cada vez menos duradouras. Em conjunto, o transporte de umidade e ar frio, em virtude da formação de sistemas de baixa pressão ou até mesmo ciclones, têm se restringido mais a Santa Catarina, ao Rio Grande do Sul, e ao extremo sul do Paraná”, ressalta Furlan.
Com informações de: Agência Estadual de Notícias.